quinta-feira, 29 de agosto de 2013

ENEM 2004 - REDAÇÃO (análise)

Hoje, analisaremos a proposta de redação do ENEM 2004 cujo tema foi “Como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicação?”, algo ainda atual, ainda mais com o aumento do acesso da população mais necessitada às informações através dos meios de comunicação como a televisão, o rádio e a internet. Esta ainda é muito cara e mal disponibilizada no Brasil, mas uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br) e divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 20/06/2013 afirma que, nas zonas urbanas, 40% das residências possuem acesso à internet, enquanto que nas áreas rurais este número é de 10% (mais detalhes em http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral,internet-atinge-40-de-residencias-no-pais-diz-pesquisa,157138,0.htm).
Em relação ao aparelho televisor, segundo o último censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2010, 95,1% das casas brasileiras a possuem; já o rádio está presente em 81,4% das residências (mais informações emhttp://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-04-27/ibge-pela-1-vez-domicilios-brasileiros-tem-mais-tv-e-geladeira-d.html). Estes dados, portanto, relevam o quanto de acesso às informações os brasileiros possuem.
A coletânea da proposta de redação do ENEM 2004 apresentava-se da seguinte forma:
Leia com atenção os seguintes textos:
Caco Galhardo, 2001.
Os programas sensacionalistas do rádio e os programas policiais de final da tarde em televisão saciam curiosidades perversas e até mórbidas tirando sua matéria-prima do drama de cidadãos humildes que aparecem nas delegacias como suspeitos de pequenos crimes. Ali, são entrevistados por intimidação. As câmeras invadem barracos e cortiços, e gravam sem pedir licença a estupefação de famílias de baixíssima renda que não sabem direito o que se passa: um parente é suspeito de estupro, ou o vizinho acaba de ser preso por tráfico, ou o primo morreu no massacre de fim de semana no bar da esquina. A polícia chega atirando; a mídia chega filmando.
Eugênio Bucci. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Quem fiscaliza [a imprensa]? Trata-se de tema complexo porque remete para a questão da responsabilidade não só das empresas de comunicação como também dos jornalistas. Alguns países, como a Suécia e a Grã-Bretanha, vêm há anos tentando resolver o problema da responsabilidade do jornalismo por meio de mecanismos que incentivam a auto-regulação da mídia.
http://www.eticanatv.org.br
Acesso em 30/05/2004.
No Brasil, entre outras organizações, existe o Observatório da Imprensa – entidade civil, não-governamental e não partidária –, que pretende acompanhar o desempenho da mídia brasileira. Em sua página eletrônica , lê-se:
Os meios de comunicação de massa são majoritariamente produzidos por empresas privadas cujas decisões atendem legitimamente aos desígnios de seus acionistas ou representantes. Mas o produto jornalístico é, inquestionavelmente, um serviço público, com garantias e privilégios específicos previstos na Constituição Federal, o que pressupõe contrapartidas em deveres e responsabilidades sociais.
http://www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br (adaptado)
Acesso em 30/05/04.
Incisos do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988:
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Com base nas ideias presentes nos textos acima, redija uma dissertação em prosa sobre o seguinte tema: Como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicação?

Podemos ver que a coletânea textual da proposta de redação do ENEM 2004 era relativamente longa, já que possui cinco textos (um não verbal e quatro verbais), o que subsidiava, e bem, a escrita do candidato, que foi bem motivado por todos os textos, já que cada um coloca um item acerca do tema e, assim, criam o recorte da prova.
O primeiro texto da coletânea é uma charge de Caco Galhardo, de 2001, que retrata a sua visão acerca do papel da televisão na casa de uma típica família brasileira; a sua representação por meio do desenho de um latão de lixo, com antenas e ligado à tomada, transbordando e com moscas e as expressões faciais das pessoas, sentadas à sua frente, expressam muito bem a opinião de Caco sobre ela: literalmente, um lixo alienante, dadas as feições das personagens.
Obviamente, esta charge é uma crítica explícita à televisão, mas o candidato poderia refletir sobre o papel dos telespectadores, já que estes possuem o direito de escolher o que irão assistir e o direito de não assistir, de desligar o aparelho. Neste ponto é importante tomar cuidado para não cair no senso comum e afirmar que a culpa de todos os males é a mídia televisiva; claro que ela possui sua culpa (senão não seria tema, inclusive, de um ENEM), que tende a manipular, incentivar as pessoas, mas estas são seres pensantes que podem e devem responder ativamente, aceitando ou não, o que veem. Bom senso, sem generalizações e ponderação são essenciais. Aliás, esta colocação pode ser a proposta de intervenção social: senso crítico por parte dos telespectadores. Como formá-lo? Como a escola pode auxiliar nesta questão, por exemplo?
O segundo texto é de autoria do professor da ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo) e jornalista Eugênio Bucci no qual aborda os programas, de rádio e televisão, policiais que, segundo ele, invadem a cena do crime, as casas dos criminosos e/ou de seus familiares de modo sensacionalista para explorarem situações difícies, nas quais muitos fatores, como a pobreza e a miséria, estão presentes. Todos nós conhecemos, já vimos um pedacinho que seja de programas como esses, que parecem escorrer sangue e Bucci até os relaciona com a polícia: esta chega atirando (às vezes sem saber quem é culpado ou inocente) e a mídia chega filmando, como se a câmera e o microfone fossem, também, armas que invadem a dor e a desgraça alheia.
Este tipo de programação televisiva é, sem dúvida, para o autor e para a banca elaboradora da avaliação da prova de redação do ENEM, um exemplo de abuso nos meios de comunicação, já que é sensacionalista, algo que sempre existiu, mas como combatê-la se há quem a assista? Estes programas continuariam existindo se sua audiência diminuísse? Se uma boa parte da população deixasse de assisti-los?
O terceiro texto trata da fiscalização da imprensa, não só dos meios de comunicação como empresas, mas também de seus jornalistas e traz exemplos de países europeus que tentam, há anos, promover uma auto-regulação,isto é, que os próprios meios de comunicação se auto-regulem.
O quarto texto, um trecho adaptado do site do Observatório de Imprensa, lembra que os meios de comunicação de massa, como os canais da televisão aberta, apesar de os obterem através de concessões governamentais, são majoritariamente empresas privadas que atendem aos interesses de seus acionistas, mas que o jornalismo, em si, é um serviço público que presta serviço à população, contemplado pela Constituição (quinto e último texto da coletânea) que, por sua vez, coloca como livre a liberdade de expressão e bane a censura, mas ao mesmo tempo declara inviolável a intimidade, a imagem e a honra das pessoas, cabendo indenização por dano moral ou material.
Aqui, pode-se discutir os meios que o jornalismo usa para produzir notícias e reportagens. Usar uma imagem sem autorização, invadir a vida privada de uma pessoa a fim de obter imagens ou informações, manipular entrevistas e declarações, utilizar outros textos para fazer um “novo”, manipulação de imagens dentre outras estratégias são atitudes questionáveis, mas praticadas por alguns meios de comunicação como jornais (impressos ou televisionados) e revistas.
Como ter a liberdade de expressão e de comunicação dos meios de comunicação garantida se há sérios abusos? Uma auto-regulação, uma fiscalização por parte do governo é a volta da censura da ditadura? Aliás, a imprensa na época do AI-5 é algo histórico que pode ser relacionado a este tema; o debate entre censura, liberdade, democracia e fiscalização é uma questão muito interessante e produtiva, já que os limites são muito tênues.
Outro ponto interesse de abordagem do tema do ENEM 2004 é a questão da imparcialidade jornalística, tão requisitada, mas ela existe, realmente? É possível ser neutro? É possível ser imparcial mesmo sabendo que temos opiniões sobre tudo e sobre todos? Como obter um meio de comunicação neutro se os de massa são empresas que têm as mais diversas ligações com as mais variadas pessoas, inclusive políticos?
Este tema provoca muitos questionamentos e reflexões e, consequentemente, muitos caminhos para o seu desenvolvimento, mas reconhecer os abusos e como combatê-los é o principal neste texto. Por onde você iria?

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