sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Amor Ressuscitado

Arranquem-me olhos
E deem a quem quer enxergar,
Cortem-me as mãos
Para o amputado que precisa usar.


Tirem-me os membros
Inferiores para o manco,
O fígado, os pulmões, rins,
Coração a quem precisar.


Se necessário, estudem minha massa.
Meus últimos dentes aos acadêmicos,
E não desfrutando do que sobrar,
Queimem e joguem ao mar.


Lá viajarei aos poucos
Até o resto da cinza afundar.
Se me enterrarem,
Também voltarei a amar.

(JSC)

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Augusto dos Anjos