terça-feira, 12 de agosto de 2014

Como Ler e Escrever Poesia

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 Transcrevemos dois poemas (cuja autoria foi omitida). Pedimos que faça uma avaliação: atribua a cada um deles um conceito - ótimo, muito bom, bom, regular ou fraco.
     Trata-se, evidentemente, de um teste: ele pode servir para avaliar a noção que você tem acerca de poesia.


LUAR
A lua majestosa
passeia
no tapete das nuvens
na imensa quietude
do universo.


E com seus raios argentinos
rompe o véu negro da noite
com claridade branda e suave,
e faz da terra
um manto branco de virgem.


LUA CHEIA
Boião de leite
que a noite leva
com mãos de treva
pra não sei quem beber.
E que, embora levado
muito devagarinho,
vai derramando pingos brancos
pelo caminho.


Como você avaliou o primeiro poema - "Luar"? Ótimo? Muito bom? Pois saiba que ali não há poesia. Não há poesia nesse poema simplesmente porque não existe ali a função poética, a linguagem poética, a maneira peculiar, diferente, nova, artística, criativa de expressar. A linguagem do poema "Luar" é um amontoado de lugares-comuns - palavras e expressões que andam na boca de todo mundo ou de um escritor ou poeta principiante. "Lua majestosa", "tapete de nuvens", "imensa quietude do universo", "raios argentinos", "véu negro da noite", "claridade branda e suave" e "manto branco de virgem" são expressões gastas pelo uso, surradas, sem originalidade, sem criatividade. E poesia é justamente a antítese de lugar-comum.

     A primeira pessoa que assim tivesse se expressado seria poeta, e seu poema poderia ser classificado de poesia.

     O poema "Luar" é de autoria de Gil Dumont Vêneto. Trata-se de um poema "ad hoc" (escrito para esse fim), para exemplificar o que não é poesia.


     O segundo poema - "Lua Cheia" - é de Cassiano Ricardo. Observe como o poeta é original ao identificar a lua cheia com um boião de leite, isto é, com um recipiente de vidro, cheio de leite. Trata-se de uma metáfora. Originalíssima. Criativa. Poética. Surpreendente. Observe também que Cassiano Ricardo considera a noite uma pessoa (personificação): "que a noite leva com mãos de treva". Há, finalmente, mais uma metáfora: o poeta concebe os raios do luar como se fossem "pingos brancos", que caem do "boião de leite".

     Não bastasse, o autor imprimir ritmo ao seu poema: há o predomínio de versos com quatro e seis sílabas, com acentuação bem definida.

     Em resumo, as metáforas originais, a personificação, o ritmo e a acentuação dão ao poema "status" de poesia.

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PucRS

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